terça-feira, junho 18, 2013

Sobre a Velhice



Céfalo:
  • Dir-te-ei o meu pensamento, Sócrates, tal como me acode ao espírito. Acontece-me muitas vezes, como diz o antigo provérbio, encontrar-me com homens da minha idade; toda a conversa decorre em queixumes e lamentações da parte deles; recordam com pezar, os prazeres do amor, da mesa, e outros desta natureza que saboreavam na juventude. Afligem-se por estar privados de todos estes bens que lhes parecia tão preciosos. A avaliar pelo que dizem, a vida que então levavam era feliz; presentemente nem sequer vivem. Alguns lamentam-se dos ultrajes a que a velhice os expõe, por parte dos seus parentes. Não cessam de dizer e de redizer quantos males ala lhes traz todos os dias. Quanto a mim , Sócrates, creio que eles não apontam a verdadeira causa destes males, porque, se fosse a velhice, ela deveria produzir os mesmos efeitos sobre mim e sobre todos os que chegam à minha idade. Ora, tendo conhecido outros que têm uma disposição bem diferente; e recordo-me de que encontrando-me um dia com o poeta Sófocles, alguém lhe perguntou, na minha presença, se a idade lhe permitia saborear ainda os prazeres do amor. “Que os deuses o não permitam”, respondeu ele “pois foi com a maior satisfação que me livrei do jugo desse senhor furioso e brutal!”. Acreditei então que ele tinha razão em falar assim, e o tempo não me fez mudar o sentimento. Com efeito, a velhice é um estado de repouso e de liberdade a respeito dos sentidos. Quando as paixões cessam de fazer sentir o seu aguilhão e afrouxam, a frase de Sófocles verifica-se plenamente; estamos livres de uma multidão de tiranos violentos. Quanto a esses queixumes dos velhos e aos seus desgostos domésticos, não é à velhice, Sócrates, mas ao carácter dos velhos que se deve atribuir a causa. Com costumes moderados e simples, acha-se a velhice suportável; com um carácter oposto, a velhice e a juventude são igualmente difíceis.

Diálogo Sobre a Justiça - Platão